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Comunidade-Luz Figueira e a busca por novos paradigmas na relação com a água

Categoria: Meio ambiente

O que podemos fazer para tratar e usar a água – essa substância vital, mas tão dissipada e desrespeitada – de forma mais consciente e econômica?

Para aprofundarmos essa reflexão, pode ser útil e instrutivo nos inteirarmos sobre projetos que visam à sustentabilidade na gestão dos recursos hídricos.

Por isso, vamos conhecer um pouco do trabalho desenvolvido, há mais de 30 anos, pela Comunidade-Luz Figueira, filiada à Fraternidade – Federação Humanitária Internacional (FFHI), localizada em Carmo da Cachoeira, sul de Minas Gerais, Brasil.

Figueira já inspirou milhares de pessoas, de diferentes países, a modificarem seus padrões de conduta diante dos elementos naturais, especialmente da água, por meio da difusão de princípios voltados à regeneração física e espiritual da vida na Terra.

Com a instrução e a vivência diária oferecidas na comunidade, os visitantes e residentes são estimulados a despertar o amor e a reverência por essa substância imprescindível. O principal propósito é que todos possam se tornar agentes transformadores, auxiliando a disseminar uma postura de mais ética e responsabilidade frente às águas.

Doação e sacrifício incondicionais

A água, substância maleável e adaptável, cobre mais de 70% do globo, compõe cerca de 70% do corpo humano e é essencial para todos os seres vivos da Terra.

Se observarmos o seu comportamento, perceberemos que a água simboliza as virtudes da doação incondicional e do sacrifício permanente. Isso é evidente sobretudo nestes tempos, em que o desperdício e a contaminação das águas por esgotos, produtos químicos e resíduos diversos atingiram índices alarmantes.

Ainda assim, apesar de serem tratadas sem a devida gratidão, cuidado e reverência, as águas seguem se ofertando sem limites para suprir todas as nossas necessidades e estar conosco em praticamente todos os momentos.

Irmã Água: útil, humilde, preciosa e casta

São Francisco de Assis, uma das elevadas consciências cujos ensinamentos são estudados e seguidos em Figueira, exaltou alguns dos principais atributos da água em seu “Cântico do Irmão Sol”:

“Louvado sejas, meu Senhor Pela irmã Água, Que é mui útil e humilde E preciosa e casta.”

De fato, a água é essencial em todos os âmbitos da existência física e se entrega com generosidade e simplicidade para realizar quaisquer tarefas, desde as mais nobres às mais elementares e rústicas; portanto, é útil, humilde e preciosa. Já sua castidade se faz notar pela pureza, limpidez e transparência.

Transformação constante

Você já parou para pensar que a água no planeta é a mesma há milênios? Sua quantidade não muda, somente sua qualidade. Dia a dia, essa substância está em constante transformação.

De toda a água existente no planeta, apenas 2,5% representa água doce. Entretanto, somente 0,26% dessa água está disponível para consumo humano, sendo que uma grande parte desse restrito percentual está poluída.

É preciso lembrar, também, que ela não está distribuída igualmente no globo. Por conseguinte, é um recurso escasso em vários locais.

Esses são alguns dos motivos pelos quais não deveríamos desperdiçar uma só gota dessa substância sagrada.

O uso da água em Figueira

E agora que tal entender como ocorre a gestão dos recursos hídricos na Comunidade-Luz Figueira?

Helcio Drago, encarregado do sistema de abastecimento de água na comunidade, explicou esse processo. “Toda a água consumida nas fazendas de Figueira é obtida por uma solução alternativa de abastecimento, ou seja, não é disponibilizada pelo sistema de abastecimento público”, destacou.

A água potável

De modo geral, a água potável é captada no lençol artesiano por meio de poços tubulares profundos e, no lençol freático, por meio de cisternas. Ela é utilizada para ingestão, preparação de alimentos e higiene pessoal.

O monitoramento da qualidade da água para consumo humano é feito periodicamente, através de análises de amostras em laboratórios credenciados, de acordo com os padrões de potabilidade do Ministério da Saúde.

Já a água não potável é captada, na maior parte, em represas artificiais. Serve para irrigação, limpeza de veículos e descarga de vasos sanitários.

Captação, distribuição e consumo

Em Figueira, os pontos de consumo de água estão localizados em altitude superior aos pontos de captação. Consequentemente, é necessário transportar e armazenar a água. No transporte, são utilizadas bombas de vários tipos, como as de pistão, movidas por rodas d’água, e as centrífugas, que requerem energia elétrica.

A energia elétrica para essa finalidade é fornecida pela concessionária local de energia ou por geradores solares.

Mas, visando à autossustentabilidade, a intenção é adotar a energia solar como fonte principal de eletricidade na maioria das instalações de bombeamento.

Existe uma extensa rede de distribuição para que a água chegue aos pontos de consumo, composta por reservatórios, tubulações e acessórios. Há casos que essa rede interliga diversas fazendas, possibilitando que a água captada e bombeada em uma área possa ser consumida em outra.

As águas servidas

As águas servidas, ou seja, aquelas que já foram utilizadas pelas pessoas, são destinadas ao tratamento e divididas em duas classes:

A água negra, proveniente dos vasos sanitários, passa por estações de tratamento de esgoto antes de ser disponibilizada em sumidouros para infiltração no subsolo.

Água negra

Essas estações de tratamento são compostas por fossas sépticas e filtros anaeróbicos, dispositivos que têm a função de reduzir as cargas poluentes do esgoto, devolvendo ao ambiente o efluente tratado com os padrões exigidos pela legislação ambiental.

Água cinza

A água cinza é aquela que foi utilizada para banhos, lavagem de roupas e limpeza de alimentos. Sua destinação pode ser a estação de tratamento de esgoto ou os sistemas de tratamento alternativos, como os círculos de bananeiras, cultivados em diversas fazendas de Figueira.

Planejamento e monitoramento

Para que o sistema alternativo de abastecimento de água possa funcionar adequadamente, há um amplo planejamento entre o Setor de Águas de Figueira e as fazendas.

Desde 2013, o consumo de água em cada área é monitorado através da leitura de hidrômetros. Uma equipe realiza a inspeção periódica de todo o sistema de abastecimento, abrangendo captação, bombeamento, armazenagem, distribuição e tratamento. Dessa forma, é possível prever a necessidade de intervenções.

Captação da água da chuva

A região onde está localizada Figueira também foi afetada pelas mudanças no ciclo hidrológico, na maioria causadas pelo desmatamento e o uso inadequado do solo.

Nos últimos anos, as chuvas passaram a ocorrer em intervalos cada vez mais espaçados e diminuíram em volume. Isso reduziu o nível do lençol freático no território e, consequentemente, o nível dos reservatórios e da água disponível nas captações superficiais.

Para minimizar esta situação, Figueira está implantando sistemas de captação e armazenamento de água de chuva. O propósito principal é coletar essas águas para que possam se infiltrar no subsolo das fazendas.

Exemplos de uso da água da chuva

Em uma das fazendas da comunidade, o nível da represa mais próxima das edificações diminuiu drasticamente, pois as nascentes d’água que a abasteciam secaram. Como solução, foram construídas barragens ao redor da represa para reter e infiltrar a água da chuva no subsolo.

Isso possibilitou que, durante um ano, a água da represa fosse utilizada para irrigar as hortas, que antes eram regadas com água potável de um poço artesiano. Um benefício adicional do projeto foi a elevação da vazão de uma segunda represa, responsável pelo acionamento de três rodas d’água que fornecem água potável para as edificações.

Já em outra fazenda, foi necessário intervir para evitar que a represa secasse completamente. A água da chuva foi, então, captada no telhado da edificação principal e nas áreas do entorno e canalizada para a mata fechada a montante da represa, criando condições para que a água se infiltrasse no solo.

Reflorestamento na área das nascentes

Atualmente, Figueira possui várias nascentes ativas. Conforme a legislação brasileira, o entorno dessas fontes d’água é considerado Área de Preservação Permanente e deve possuir um raio mínimo de 50 metros.

Para proteger essas áreas, o Setor Plantios realiza um trabalho específico.

“Aqui o entorno das nascentes é preservado de acordo com a lei e reflorestado com vegetação nativa”, explicou Frei Renatto, coordenador do setor.

O reflorestamento com flora nativa, geneticamente adaptada à região, evita o ressecamento das nascentes. Além disso, impede a erosão e o assoreamento do solo, que também comprometem a qualidade e a quantidade da água.

Agricultura orgânica e preservação da água

O Setor Plantios desempenha outro papel importante na proteção dos recursos hídricos de Figueira. Todos os alimentos cultivados na comunidade são orgânicos, isto é, produzidos através de sistemas agrícolas sustentáveis, que não empregam produtos químicos prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, tampouco sementes transgênicas.

Esse tipo de produção, que preconiza o equilíbrio da natureza, evita a contaminação das águas subterrâneas e superficiais por agrotóxicos, ao contrário dos modelos agrícolas convencionais.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os agrotóxicos são a segunda maior causa de contaminação dos rios no Brasil, perdendo apenas para o esgoto doméstico.

A cura através da água

restaurador da água é estudado e aplicado há muitos anos em Figueira. As fazendas oferecem banhos ao ar livre, utilizando a água captada nas represas. Por sua vez, o Setor Cura realiza procedimentos terapêuticos tais como banhos de imersão, banhos de estimulação de partes específicas do corpo, vaporização, banhos de assento e enemas.

Madre María del Huerto, coordenadora do setor, explica:

“Quando estamos em contato com a água durante um procedimento terapêutico, como um banho de imersão ou um banho ao ar livre na natureza, estimulamos nos corpos materiais – físico, emocional e mental – impulsos de cura que podem promover purificação, regeneração, sedação e até mesmo a elevação da consciência. Esses impulsos impregnam desde a mais ínfima partícula orgânica até os pensamentos mais arraigados, dissolvendo nódulos e resistências”.

Ela acrescenta que a eficácia dos tratamentos também está relacionada à postura do paciente, que deve reconhecer com gratidão e reverência o serviço prestado pela água.

Por fim, Madre María del Huerto nos deixa a seguinte reflexão:

“A água representa o caminho flexível que o ser humano deve percorrer. É o veículo onde ocorrem as transformações que geram vida. Como símbolo do princípio da maternidade, não exclui nada, apenas encaminha para o fluxo correto, para o mar das possibilidades”.

Coligação com o Reino das Águas

Você gostaria de colaborar para a recuperação e preservação dos recursos hídricos?

Os atos simples do dia a dia são mais importantes do que você imagina!

Comece com pequenos passos:

Consuma a água de forma consciente e racional, evitando qualquer desperdício.

Diminua a geração de resíduos e descarte-os corretamente. Para isso, siga os três R’s da Ecologia: reduzir, reutilizar e reciclar.

Dê preferência a alimentos livres de agrotóxicos.

Para finalizar, deixamos um mantra, vinculado à consciência indígena, que nos conduz à coligação com o Reino das Águas:

AUÁ SACATINÃ UÁ

Que, com a essência desse mantra no coração, possamos alcançar uma relação de amor, respeito e união com as águas, colaborando para proteger e restaurar essa dádiva que é a seiva da Terra.

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